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21-11-2019

Bruno Barros

Minha experiência ao passar 10 dias em silêncio

Mulher correndo contra o vento e olhando na direção da tela.

Em julho de 2019 eu estava terminando um trabalho de um mês no meio de uma viagem e recebi a ligação de um amigo. Um pouco mais de um mês antes da ligação eu tinha falado para ele sobre meu interesse parecido.

Eu pensava em participar de um retiro de silêncio que utiliza a técnica de meditação Vipassana. Só que ainda não tinha conseguido uma vaga em um dos eventos, que são de graça.

Segundo o próprio site que organiza os retiros, Vipassana significa ver as coisas como realmente são e é uma das técnicas de meditação mais antigas da Índia. Sendo ensinada há mais de 2500 anos como remédio universal, segundo o site.

Voltando a ligação, meu amigo me disse que iria participar de um retiro muito parecido e que eu talvez tivesse interesse. Eu realmente tinha.

E este seria guiado presencialmente por um indiano com bastante experiência no assunto e não com o uso de vídeos, como os que eu conhecia. Meu amigo já tinha feito três retiros do tipo tradicional e estava recomendando este. Parecia um convite excelente.

Pedi dois dias para pensar, afinal eu teria que mudar alguns planos, viajar para um lugar que eu não estava esperando e gastar uma quantidade de dinheiro considerável. No dia seguinte eu decidi que queria fazer e acabei dizendo sim para uma das experiências mais interessantes da minha vida.

O silêncio

Mulher com dedo na boca indicando silêncio

Primeiro eu preciso explicar o que é o silêncio do retiro. Quando falo sobre o assunto as pessoas esperam que apenas não se deve falar. No entanto, o objetivo é reduzir a comunicação o máximo possível, além de evitar outros estímulos externos.

Não se deve falar, escrever nem para si mesmo, se comunicar por gestos, olhar nos olhos das outras pessoas, apreciar a paisagem etc. O silêncio é uma forma de cortamos quase toda interação com o mundo externo. Ou seja, nada de celular ou internet.

Confesso que como um bom introvertido que sou, o silêncio foi uma das partes mais fáceis. Não me recordo de durante os dias sentir necessidade de falar com as outras pessoas. Claro que seria bom, mas longe de uma necessidade.

Não foi uma surpresa, afinal sempre achei que gostava de passar um bom tempo comigo mesmo, só não sabia que conseguiria 10 dias com facilidade. Essa foi uma das poucas coisas que pude confirmar a meu respeito.

E quando digo introvertido, não confunda com tímido. Gosto muito de me sentar em uma mesa e ter uma boa conversa com um grupo grande de pessoas. Inclusive falo pelos cotovelos e as vezes corro o risco de dominar o assunto.

Claro que depois eu preciso de um tempo sozinho para recuperar a energia. Vi pessoas com bastante dificuldade em relação ao silêncio e percebi que eu não estava errado em achar que para mim seria mais interessante do que sacrificante.

Preenchendo as lacunas

Não falar não era um problema, mas as consequências do silêncio geraram algumas situações que eu não esperava. Como eu não tinha nenhum tipo de feedback das pessoas que estavam comigo, eu comecei a questionar se eu estava me comportando direito. Por ser meu primeiro retiro, pensava se podia estar atrapalhando alguém.

Por exemplo, eu e meu amigo acabamos dividindo um quarto. Ele era separado ao meio. Assim, mesmo no mesmo ambiente, não precisávamos estar um no campo de visão do outro o tempo inteiro. Eu tentei seguir as instruções ao máximo e não olhava nos olhos das pessoas.

Com o passar do tempo, por mais irracional que fosse, eu ficava pensando se meu amigo não estava chateado comigo por algum motivo. Seu eu tinha ficado muito tempo no banheiro, feito barulho a noite, ido tomar banho primeiro etc. E não era só com ele que isso acontecia.

Estávamos todos vivendo uma experiência intensa e focada em nós mesmos, mas de vez em quando eu imaginava que podia ter deixado de segurar uma porta. Que podia ter feito muito barulho. Quem sabe meu amigo esperava que eu tivesse esperado por ele antes de voltar para o quarto?

Eu fiquei surpreso com o tanto que pode ser exagerado este meu sentimento de ter feito alguma coisa de errada para as outras pessoas. Ou de querer agradar. Ficar criando histórias na minha cabeça. Por não fazer nenhum sentido, nos dias de silêncio eu pude compreender este meu comportamento melhor.

Se qualquer um tivesse me perguntando, antes do retiro, se eu era este tipo de pessoal, eu diria que não. Sempre me senti equilibrado no sentido de entender que algumas pessoas podem ficar chateadas comigo e tudo bem.

Durante o silêncio eu percebi esta minha tendência para ficar preenchendo os espaços vazios de informação com coisas que eu inventava em minha cabeça. Eu tinha certeza de que era irracional, mesmo assim sentia um grande desconforto. Foi um bom aprendizado.

Meu ego

O silêncio também me revelou uma necessidade de massagear meu ego que eu não estava consciente de ter. Eu me via como alguém que me compara mais comigo mesmo do que alguém que olha muito para o lado.

Eu até brincava que sentia meu ego reagir em alguma situação, mas em geral eu conseguia controlar e tomar uma decisão mais racional em situações suficientes. Seria como dizer que sentir ciúmes é até normal, o que você faz com este sentimento é o que importa.

Só que logo nos primeiros dias eu fiquei surpreso como não conseguia me desconectar das outras pessoas. Quem fazia muito barulho me incomodava. Como se a pessoa estivesse sendo desrespeitosa ou fazendo de propósito. Em minha cabeça eu estava fazendo direito e as pessoas errado. Eu queria ser o primeiro a chegar na meditação.

Ficava percebendo as pessoas quebrando regras e se comunicando em gestos. Julgando todo mundo. Pois é, depois de poucos dias em silêncio, eu estava me mostrando um babaca.

Este comportamento começou a se refletir nos mínimos detalhes. Eu queria tomar chuva, enquanto todo mundo se protegia. Eu queria mostrar que o frio não era um problema para mim, enquanto todo mundo se cobria.

Queria seguir as instruções e que os outros percebessem que eu estava seguindo. Claro que na época eu não tomava esta decisão racionalmente, mas era o que estava acontecendo.

Logo no começo do segundo dia eu percebi o comportamento e fiquei na dúvida se era algo que estava se acentuado por causa do isolamento, ou sou sempre assim, sem perceber. O fato é que eu era mais assim do que imaginava.

Há males que vem para o bem

Nuvem negra sinalizando algo desafiante ou negativo

Foi aí que o cenário me trouxe uma surpresa. Tinha um participante que meditava exatamente ao meu lado e fazia muito barulho em todo movimento. Sua pisada no chão de madeira era um estrondo. Ele arrotava o tempo todo e quando digo o tempo todo, não exagero. Ele também não ficava muito tempo sem ter de ir ao banheiro.

O coitado ainda adoece no primeiro dia e precisava assoar o nariz regularmente. Eu ficava pensando o tanto que ele me atrapalhava em me concentrar e porque raios ele tinha de estar bem ao meu lado. No segundo dia eu simplesmente achei que ele podia acabar com toda a experiência, pois eu não conseguiria meditar com ele ali perto.

Eu tentava me convencer de que ele era uma oportunidade para eu me dedicar mais, mas era da boca para fora. Eu estava com raiva. Pensava que ali estava eu, seguindo todas as instruções, me dedicando mais que todo mundo, mas um participante iria atrapalhar tudo.

Foi então, que na noite do quarto dia, vamos todos para o salão de jantar. Os lugares eram marcados, para evitar comunicação, e nosso amigo se sentava bem a minha frente.

Eu tinha guardado um pão do café da manhã, refeição que geralmente eu pulava, para comer com a sopa da noite. Coloco o pão em um prato no meu lugar e vou me servir. Quando volto e me sento, metade do meu pão sumiu. Ele está partido.

Olho para frente e meu barulhento amigo está com a metade em sua mão. Acredito que fiquei alguns segundos encarando aquele pedaço e tentando entender a situação. Não tinha aquele tipo de pão a noite, por isso eu tinha guardado. Ele simplesmente resolveu pegar a metade.

Não sei dizer por que, mas depois da raiva eu senti uma profunda paz. Meus olhos encheram de lágrima. Na verdade, encheu de novo no momento que escrevo isto daqui. Eu senti que ele não fazia ideia que o pão era meu.

Ali estava em minha frente uma pessoa como qualquer outra, enfrentando os problemas da vida e talvez fazendo o melhor que pode.

Eu percebi que mesmo com o incômodo, se ele tivesse pedido, eu teria dado o pão. E ele não podia pedir, pois não podíamos nos comunicar. Fiquei feliz dele, sabendo ou não, comer metade do pão.

Talvez ele me viu como uma boa pessoa, que ofereceria se pudesse? Quem sabe ele via em mim uma pessoa melhor do que eu estava sendo? Talvez é melhor não raciocinar se meu sentimento estava certo ou não.

O que sei é que foi exatamente o que senti. Nos dias em diante, meu amigo não me atrapalhava mais. Na verdade, eu conseguia desejar que ele melhorasse no meio da minha meditação e eu meio que sempre o cumprimentava em minha cabeça quando ele chegava para meditar comigo e depois que saia. A companhia dele me agradava.

A meditação

Durantes o retiro, aprendi a meditar deitado, a meditar sentado, a controlar minha respiração, a aumentar a temperatura do meu corpo mesmo relaxado e imóvel e por aí vai. Com o passar dos dias meu sono era cada vez mais intenso, com sonhos muito vivos.

Meus batimentos cardíacos chegaram a 30bpm durante a meditação, segundo meu monitor cardíaco. Eu conseguia segurar a respiração por tanto tempo, que meu corpo reagia com uma onda de adrenalina impressionante. Ainda não sei o que se aprende com 10 anos de meditação, mas tudo isso me deixou impressionado.

As experiências com a meditação merecem um texto por si só, que tenho de criar coragem de escrever ainda, pois tive acesso a memórias e sentimentos bastante delicados. No entanto, vale a pena dizer o tanto que fiquei surpreso com a experiência. Eu não tinha muita prática com o tema e achei tudo incrível.

A necessidade de explicar o inexplicável

Durante o passar do dia, vamos ficando cada vez mais sensível a qualquer tipo de estímulo. O toque descalço ao caminhar na grama era um prazer. A mente vai criando significado para coisas que antes eram bem simples ou imperceptíveis.

As experiências também vão ficando cada vez mais intensas. Tive sonhos, ouvi vozes que não tenho certeza se era a minha própria. Em mais de um momento eu parecia conseguir conversar com meu corpo, ou mente, ou alma, depende do que você acredita.

Eu perguntava e recebia respostas do tipo sim ou não. A resposta vinha como uma sensação física muito positiva ou negativa. Foi aí que comecei a me incomodar com o discurso de nosso guia em alguns pontos. Ele explicava demais todas as sensações de acordo com as crenças dele.

Eu percebia ao meu redor, e ficou mais claro depois de sair do silêncio, o tanto que as pessoas estavam procurando por estas respostas. Encher de significado aquela experiência inexplicável.

Eu escutei uma voz que não identifico ainda se era a minha, mas bem clara e em um momento de meditação profunda. No entanto, eu podia escolher focar na mensagem que esta voz me passava ou focar em entender de quem era essa voz e porque eu a estava escutando. Algumas pessoas focam na segunda parte e acreditam na primeira história que contam para ela.

Faz muito sentido. Se você está ali com alguém que parece ter um conhecimento profundo sobre um assunto. Se esta pessoa te guia por experiências inexplicáveis. Tendemos a acreditar que todas as explicações desta pessoa sobre o assunto estão corretas.

Nós suplicamos por dar significado ao que ainda é inexplicável. E naquele momento, o nosso guia era o mais apto a oferecer respostas.

Uma janela de oportunidade para aproveitadores

Homem olhando janela

Ao entender o tanto que coisas extraordinárias podem acontecer em uma experiência dessas, comecei a pensar em outras possibilidades. Cheguei a algumas conclusões que me fizeram agradecer muito estar tendo esta vivência naquele ambiente.

Como eu disse, a meditação é muito intensa. E tudo é guiado por um responsável, que vamos chamar aqui de guru. Tudo que acontece ali parece ter como influência o conhecimento e técnica do guru. Algumas pessoas vão além e enxergam no guru algo a mais.

Algo divino ou alguém com um dom que não pode ser alcançado por outras pessoas apenas com dedicação. Um participante chegava a dizer que ele ouvia nossos pensamentos todo o tempo.

Eu não tenho conhecimento nenhum para dizer se existe algo divino ou não. Vamos supor que exista, mas também vamos supor que existe uma parte de conhecimento e técnica também. O que é inegável.

Nosso corpo é capaz de propiciar, apenas através de técnicas de respiração, experiências inacreditáveis para aqueles que não conhecem nossas capacidades.

É nesse momento que alguém que esteja procurando respostas, vai encontrar. Este segundo de deslumbramento pode te deixar suscetível a aceitar qualquer história. Fez todo sentido para mim fato de que pessoas que vão em retiros religiosos saem transformadas.

Se escutou uma voz em um retiro religioso, claro foi Deus quem falou comigo. Seitas que seguem seu líder por situações que quem está de fora não irá conseguir entender pareceu bem mais possível para mim.

Mesmo me considerando cético e mais racional que a média, eu tive a sorte de estar em um ambiente onde ninguém estava tentando me fazer seguir nenhum tipo de fé específica. Claro que algumas opiniões eram compartilhadas, mas nada forçado. Poderia ser bem pior.

Tem gente que usa este tipo de experiência para arrancar dinheiro das pessoas. Comecei a vez essas experiências com outros olhos.

Recomendo muito que por mais que você seja um cético, muito cuidado onde você testa seu ceticismo.

O que ficou

Fica difícil escrever em um post o tanto que essa experiência me impactou. E aqui entrei apenas em pontos mais superficiais. Como eu disse, as coisas mais pessoais eu acabei omitindo. No entanto, não posso dizer que o retiro não tenha me mudado.

Percebi que meu ego e sentimento de competividade são maiores do que eu admitia. Eu não sou competitivo e nem tenho o comportamento de querer ganhar em tudo.

Só que sou bom em criar justificativas na minha cabeça para parecer que sou melhor que os outros em situações das mais bobas. Minha consciência em perceber estes momentos aumentou.

Sai do retiro com um sentimento profundo de aproveitar experiências tão simples quando beber um chá no final da tarde. Apreciar o vento. Apreciar dar tempo ao tempo. Se permitir não fazer nada. Não é novidade para ninguém que se privar de algo faz com que a gente aumente a percepção do seu valor.

Várias decisões que eu estava no momento de tomar acabaram sendo mais fáceis de decidir. Outras coisas que eu estavam me apegando, eu simplesmente deixei de lado.

Inclusive, existe uma grande chance deste site ter se tornado uma realidade por causa dos meus 10 dias de silêncio. Espero pela próxima oportunidade de repetir a dose. Quem sabe!?

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Artigos do site mencionados

Referências externas¹

Livros mencionados²

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